quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Agualusa e a Voz de Deus

Ofereço aos leitores um belo entremeio do ótimo O Vendedor de Passados (editado no Brasil pela Gryphus), do escritor angolano José Eduardo Agualusa: 

“O rio, deitado aos pés da floresta, tinha finalmente adormecido. Continuei sentado ali, muito tempo, com a certeza de que se me esforçasse, se ficasse inteiramente imóvel, desperto, se me tocasse a alma, eu sei lá!, de certa maneira o fulgor das estrelas, conseguiria escutar a voz de Deus. E então comecei realmente a ouvi-la, e era rouca e chiava como uma chaleira ao lume. Esforçava-me por entender o que dizia quando vi emergir das sombras, mesmo à minha frente, um perdigueiro magro, com um pequeno rádio, desses de bolso, preso ao pescoço. O aparelho estava mal sintonizado. Uma voz de homem, profunda, subterrânea, lutava com dificuldade contra o tumulto eléctrico:
- O pior pecado é não amar – disse Deus, a voz macia de um cantor de tango..."

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