Há um tempo li o conto da neozelandesa Katherine Mansfield chamado The Doll's House (A Casa de Bonecas), que fecha a "trilogia da infância" concebida por aquela autora do início do século XX. Esse conto é de uma sensibilidade tão marcada, de uma delicadeza tão ímpar e de traços estilísticos tão sedutores, que entrei numa espécie de transe ao terminá-lo, com lágrimas já quase despontando; revisito-o sempre, entre intencionais distâncias, com o mesmo encanto da primeira vez. Dos contos de Mansfield guardo uma edição da Oxford e outra da CosacNaify, esta em caprichada tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura e Alexandre Barbosa de Souza. Ofereço aos meus leitores entremeios de The Doll's House, no original e no vernáculo:
"‘Why not?’
asked Kezia.
Lil
gasped, then she said, ‘Your ma told our ma you wasn’t to speak to us’.
‘Oh,
well,’ said Kezia. She didn’t know what to reply. ‘It doesn’t matter. You can
come and see our doll’s house all the same. Come on. Nobody’s looking.’
But Lil
shook her head still harder.
‘Don’t you
want to?’ asked Kezia.
Suddenly
there was a twitch, a tug at Lil’s skirt. She turned round. Our Else was
looking at her with big imploring eyes; she was frowning; she wanted to go.’
[...]
Presently
our Else nudged up close to her sister. By now she had forgotten the cross
lady. She put out a finger and stroked her sister’s quill; she smiled her rare
smile.
‘I seen
the little lamp,’ she said, softly.
The both
were silent once more.”
"'Por que não?', perguntou Kezia.
Lil respirou fundo e disse em seguida: 'Sua mãe disse para nossa mãe que você não deve falar com a gente'.
'Ah, bem', disse Kezia. Não sabia que resposta deveria dar. 'Isso não tem importância. Mesmo assim vocês podem entrar e dar uma espiada em nossa casa de boneca. Venham. Ninguém está olhando.'
Mas Lil balançou a cabeça ainda com vigor.
'Então vocês não querem?', perguntou Kezia.
De repente Lil sentiu que alguém puxava sua saia. Ela voltou-se. A nossa Else a encarava com aqueles seus olhos enormes e quase implorava; ela queria ir.
[...]
Então a nossa Else aproximou-se e ficou bem junto de sua irmã. Mas agora já havia se esquecido daquela senhora brava. Esticou um dedo e deslizou-o pelo chapéu da irmã; sorriu seu raro sorriso.
'Eu vi a lampadinha', ela disse, suavemente.
Então ficaram em silêncio outra vez."