A referência turística da Paris de hoje passa muito pelos grands boulevards, projetados pelo Barão Haussmann, na cidade concebida por Napoleão III, com seus palácios e monumentos. A atitude de flanar, porém - uma, aí sim, experiência parisiense - tem o seu autêntico exercício na descoberta das pequenas ruas dessa cidade multiforme e sempre imprevisível.
Abro então este entremeio com trechos de Edmund White, postos no seu O flâneur - Um passeio pelos paradoxos de Paris (edição da Companhia das Letras, traduzida por Reinaldo Moraes), que bem expressam a singularidade da experiência parisiense à margem dos lugares-comuns:
"Mesmo reconstruída e apetrechada com todas aquelas árvores (na maioria plátanos e castanheiros), bancos e quiosques idênticos, Paris ainda assim exerce sobre a pessoa que saiu para perambular a tentação de andar só mais cem metros, e depois mais outros cem. Embora o metrô seja o mais rápido, eficiente e silencioso do mundo, com estações que nunca ficam a mais de cinco minutos a pé de qualquer destino, o visitante se vê sob o encanto do campanário se elevando sobre o casario que vem logo abaixo, e a lojinha de brinquedos da próxima esquina, e da série de portas de antiquários, e daquela pracinha ensombreada.
[...]
A cidade inteira, pelo menos intramuros, pode ser palmilhada de uma ponta a outra do fim da tarde ao começo da madrugada. Talvez seja essa uniformidade superficial - as largas avenidas, os bancos e luminárias que se repetem, sempre idênticos, saídos da mesma fôrma, as cerquinhas de arame, invariavelmente iguais, em torno da base das árvores - o que promove a qualidade insubstancial e onírica de Paris, contribuindo para a impressão de uma paisagem 'desprovida de limites'. Sem barreiras, vai-se resvalando de uma área a outra.
[...]
Não é de espantar, portanto, que Paris, terra de distrações e novidades, seja a grande cidade do flâneur - esse passeador que anda a esmo e se perde na multidão, sem destino, seguindo para onde o capricho ou a curiosidade direcionam seus passos."
Flanar é uma forma de viver o entremeio, projetada na atitude de viajante (não de turista), no sentido de descobrir e de experimentar.
Na foto, o Jardin du Luxembourg, de Robert Doisneau.
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