domingo, 19 de fevereiro de 2012

Brad Mehldau e a Arte do Trio


O trio sem dúvida é uma das expressões mais sofisticadas do jazz. Parecem impensáveis os rumos e a marca característica que essa música tomaria sem aquela arte delicada em que se ouve, perfeitamente individualizado e ao mesmo tempo em rica integração, o acento de cada instrumento, de cada voz harmônica e melódica. Os grandes trios representam a mais perfeita forma jazzística, de improvisação, de simbiose musical. Isso antes e hoje. Que o diga o Bill Evans Trio, responsável por memoráveis produções, como as complete records no Village Vanguard; e também o Oscar Peterson Trio, certamente o pioneiro no gênero. Esses dois trios, por certo, formaram as mais notáveis vozes do passado, não apenas pelo talento individual de Evans e de Peterson, mas também pelo entrosamento que conseguiram realizar, na forma de piano-contra-baixo-bateria, fazendo-nos pensar que de nada mais precisa a música. No jazz contemporâneo, e como mostra da perenidade do formato, destaca-se o trio do pianista norte-americano Brad Mehldau, iniciado no final dos anos 1990 e ainda hoje em plena atividade, com Larry Grenadier (contra-baixo) e Jeff Ballard (bateria, no lugar de Jorge Rossy). Mehldau, claro, não se restringiu ao trio, mas está aqui a melhor expressão do talento clássico - inspirado em Evans e Peterson - desse pianista único em nossos dias, que, além de composições próprias, oferece interessantes interpretações de músicas dos Beatles - Blackbird e Dear Prudence, por exemplo - e do Radiohead - como Paranoid Android e Exit Music -, dentre outros. 
Há quatro partes de The Art of the Trio (ponto alto da discografia do pianista), a primeira delas lançada em 1997; a melhor é a segunda, o álbum Live at the Village Vanguard, gravado no lugar que imortalizara o grupo de Evans. Mehldau também gravou com o guitarrista Pat Metheny, em um excelente quartet (vide o Metheny Mehldau Quartet, de 2007), mais um profícuo formato jazzístico. Outros bons álbuns  são: Anything Goes (trio), de 2004; Day is Done (trio), de 2005; Largo, de 2002; e Highway Rider, de 2010. Os vídeos: um solo de Mehldau, My favorite things, ao vivo em Marciac; e uma performance do trio, com o ótimo Samba e Amor, de Chico Buarque (e não "Samba do Grande Amor", como erroneamente indicado na apresentação):  

           

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Adele no Grammy Awards


Em um Grammy sem grandes opções expressivas, o destaque fica mesmo para a excelente música da cantora britânica Adele (6 premiações), situada num patamar bem distante do de seus concorrentes. Por outro lado, os 4 prêmios do Foo Fighters, para mim, representam um marcado sintoma da crise da música pop contemporânea, particularmente a do rock. Adele, porém, salva o panorama, com sua voz enérgica e espiritual, com suas canções e gravações bem produzidas. O primoroso álbum "21" (foto) merece todo o crédito que se lhe empresta, mostrando que o contemporâneo e a posteridade, em matéria de soul music, ainda têm muito a oferecer. Fiquem os leitores com Set Fire to the Rain, ao vivo no Royal Albert Hall: 




  

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Curiosidades Gastronômicas

Algumas curiosidades da rica história do sabor: 

1. Queijo Roquefort - Aveyron, França. O famoso queijo azul Roquefort é produzido nos limites do departamento de Aveyron, na região de Midi-Pyrénées, Sudoeste da França. Esse poderoso queijo de ovelha tem uma origem curiosa: um acidente natural. Em tempos muito remotos, uma parte do escarpado maciço calcáreo de Combalou - que fica na região francesa já indicada - desmoronou, convertendo-se em um monte de escombros. A partir desse acontecido, os fragmentos de rocha originaram buracos de consideráveis dimensões, além das chamadas fleurines, grutas que uniam as covas naturais ao mundo exterior, permitindo a entrada de ar fresco. Sob essas favoráveis condições de ventilação é que se propagou o fungo penicillium roqueforti, isto é, a essência do queijo que surgiria tempos depois. O roquefort é produzido com leite exclusivamente da ovelha da raça lechal e, após uma cuidadosa produção na bodega, sob a supervisão de um mestre queijeiro, o produto vai posto para curar nas cavidades das famosas montanhas caliças, em Combalou (veja a foto). Os característicos pontos e listras que atravessam o queijo representam o mofo produzido pelo fungo (penicillium roqueforti). Os entusiastas sabem que o roquefort não se pode confundir com outros queijos azuis, como o italiano gorgonzola - que, aliás, é de leite de vaca. Quem quiser experimentar um legítimo deve procurar o selo da apellation d'origine contrôlée (A.O.P.) e, essencial, um bom produtor. Outros queijos azuis dignos de referência, para aproveitarmos a oportunidade, são o queijo azul bávaro (alemão) e o bleu d'Auverne (francês), ambos de leite de ovelha, além do já mencionado gorgonzola. Para mais informações sobre o roquefort, consulte-se o sítio eletrônico www.roquefort.fr, com opções de texto em francês, espanhol e inglês.
 2. Il Carpaccio - Venezia, Itália. O carpaccio original é uma criação do italiano Giuseppe Cipriani, fundador do famoso Harry's Bar, situado em Veneza (foi ali que se fez também o drink Bellini). Nos anos 1950, frequentava o bar a condessa Amalia Nani Mocenigo, a quem um médico prescreveu uma dieta rica em carne crua, por conta de uma anemia padecida pela aristocrata. Giuseppe concebeu então um prato com finíssimas lâminas de carne crua, em uma marinada de maionese, limão, molho Worcester, leite, sal e pimenta branca; nominou-o de carpaccio em virtude de uma exposição, que no tempo se fazia em Veneza, da obra rica em cores cores do pintor veneziano Vittore Carpaccio. O carpaccio original, portanto, é de carne crua. Hoje existem muitas variações no preparo. Uma interessante, para mim, é a que usa lâminas de queijo grana padano e, além disso, sem maionese. Há hoje carpaccios de salmão, de polvo e, especialmente na Espanha, de cogumelos. 
3. Atún Rojo de Almadraba - Andalucía, Espanha. Mítica é a história que rodeia esse exclusivo e enorme pescado - o atún rojo (Thunnus thynnus) - da costa gaditana, uma referência à província andaluza de Cádiz. O atún é pescado por um antigo método romano - feroz, mas sustentável - chamado almadraba, uma rede que aprisiona e entrelaça os peixes em rota desde o oceano Atlântico em direção ao mar mediterrâneo (veja na foto). Os peixes presos nas redes e fechados entre barcos são capturados por arpões manejados por experientes pescadores. Hoje só existem quatro almadrabas, nas cidades gaditanas de Conil, Barbate, Zahara de los Atunes e Tarifa. A atmosfera mítica reside no destino mágico desses peixes, que, passando da zona intermédia entre Atlântico e Mediterrâneo - onde se acham os pontos de pesca -, desaparecem para sempre. A carne do atún rojo (atum vermelho) de almadraba (único sistema apto a interceptar os peixes na rota) é incomparável, constituindo uma autêntica preciosidade gourmet da Espanha. 
4. Bacalao e Bonito - País Vasco, Espanha. Em 1835, José María Gurtubay, empreendedor da cidade basca de Bilbao e que se dedicava à exportação de bacalhau da Islândia, Escócia e Noruega, enviou uma carta a seus provedores na qual demandava "100 o 120 bacaladas" - em português isso significa "100 ou 120 bacalhadas (bacalhau curado)". Ocorre que alguém leu o "o" espanhol (que significa "ou") como mais um zero, concluindo, assim, um pedido de 1.000.120, ou seja, mais de um milhão de unidades. O empreendedor já estava desesperado para se desfazer dessa quantidade recebida, quando, por conta da primeira gerra carlista (episódio da história espanhola do início do século XIX), a cidade de Bilbao foi sitiada, com o que o bacalhau serviu para alimentar grande parte da população, gerando vultosa fortuna para o empresário Gurtubay. Foi assim que o bacalhau se tornou uma tradição no País Vasco. A propósito, o bacalhau da Espanha é apenas salgado, mas não secado - diversamente do de Portugal -, o que lhe confere uma textura mais gelatinosa. Exceção somente para o bacalhau catalão peixopalo, rica jóia da região (província) de Girona. A respeito do peixe Bonito, a gastronômica região basca empresta aos melhores exemplares o prestigiado selo Euskal Label (veja na foto), que se insere no peixe e contém um número de referência que permite ao consumidor consultar, na rede mundial de computadores, os detalhes de sua captura: em que barco foi pescado e com que arte, quando desembarcou e até em qual porto! Muito interessante ver com que cuidado os alimentos locais - expressão eloquente da cultura de um povo - são tratados em um país como a Espanha. 
Bem, por ora é isso. Oportunamente voltaremos com mais curiosidades da gastronomia mundial, com foco na América do Sul e, de outra vez, na Ásia.    

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Jazz Contemporâneo: a Big Band de Guillermo Klein


A mais surpreendente experiência que tive em minhas recentes visitas ao jazz contemporâneo foi a descoberta do álbum Filtros (2008), de Los Guachos, grupo do pianista argentino Guillermo Klein, que estudou em Boston e depois formou uma big band de 17 peças em New York, incursionando também pela Espanha. 
Klein oferece uma música inventiva e de recursos muito originais, uma raridade no jazz de hoje, sem se desprender de uma extraordinária riqueza expressiva, mesclando ritmos latinos,  síncopes e arranjos harmônicos notáveis, em uma condução jazzística eficiente, na qual cada instrumento, inclusive a voz, está no seu exato lugar, entrosando-se magicamente ante o meu assombro e deleite. Leitores deste entremeio, falo da melhor música que se faz na contemporaneidade; se bem assimilada, futuramente poderá ser precursora das tendências vindouras, como um dia foi a música de Coltrane, por exemplo - claro que, ante a interveniência de múltiplas variáveis nesse campo, não são recomendáveis maiores prenúncios, como tudo em arte; fica, porém, o meu registro.   
Do álbum Filtros - que vou presentear ao meu amigo Glauco Sobreira - destaco Va Roman, Miula, Memes, Volante e Snake, se é que posso escolher algo nesta maravilha musical. 

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Australian Open 2012

Leitores do Entremear podem ter estranhado a ausência de menção à final do Australian Open 2012, primeiro Grand Slam de Tênis da temporada. Somente agora, no entanto, é que posso ver as coisas com alguma distância, sem mais os nervos aflorados do último domingo. Assisti a cada minuto daquele jogo de quase seis horas, a mais longa final de Grand Slam da história. Torci ferrenhamente pelo Rafael Nadal e, houvesse comentado antes a partida, não teria feito justiça a Novak Djokovic.
O jogo foi de um nível impressionante, como tem sempre acontecido entre os dois tenistas na história recente. O embate se deu entre a resistência de Nadal e a eficiência técnica de Djokovic. Impressiona, de um lado, a capacidade de concentração e de sobrevivência de Nadal, mesmo jogando em um nível menor por quase todo o jogo. De outro lado, a regularidade de golpes vencedores - de forehand e, com igual eficiência, de backhand - do Djokovic. O físico dos dois está mais ou menos equivalente, ao contrário do que sucedia antes - em que Nadal era bem superior no quesito.
Dois momentos decisivos para a partida ser o que foi: o 0 (zero) 40 (triplo break point) que Nadal superou, levando o quarto set para o tie-break e vencendo a parcial; o saque perdido por Nadal quando poderia conseguir um 5 (cinco) 2 (dois) e, assim, uma vitória certa no quinto set. Fato é que, nas circunstâncias, qualquer um poderia ter vencido.
As defesas de bolas foram algo nunca visto no tênis. Em nível técnico e elegância, claro, nenhum dos dois supera Roger Federer - ainda o melhor -, mas a capacidade de luta, a disciplina tática e a estrutura mental de Nadal e Djokovic é que os situa no topo.
Destaco também, no Australian Open, a extraordinária evolução de Andy Murray, o que me faz acreditar em mais concreta possibilidade de seu ansiado Grand Slam. Murray evoluiu bastante na parte mental; nunca o vi, além disso, lutando tanto por cada ponto e até o fim do jogo. Só por um pequeno descuido é que perdeu de Djokovic na semi-final.
O sérvio, para fecharmos, mostra o tênis mais eficiente do circuito, com uma capacidade física à altura dessa condição. Justifica, assim, a sua posição de número 1 (apenas não precisa alardear esses duvidosos problemas físicos que não enganam a mais ninguém).
Agora vamos aos Masters 1000: Miami, Indian Wells, Monte Carlo, Madrid, Roma... com exceção do de Monte Carlo, todos foram vencidos por Novak no ano passado, o que significa muitos pontos a defender até Roland Garros. A batalha continua!