sexta-feira, 20 de abril de 2012

Touradas da Real Maestranza de Sevilha



Aproxima-se a Feria de Sevilla, a famosa Feria de Abril, esperada para o próximo dia 23: a fantasia e as sugestões andaluzas vertidas desde os olhos das sevilhanas, as casetas, o cante e o baile, os finos e as manzanillas de Jerez em volumes inconfessáveis; mas, sobretudo, a festa popular que para mim mais a singulariza, já iniciada duas semanas antes, na Real Maestranza de Caballería (a Praça de Touros de Sevilla): os toreos ou touradas, isto é, as corridas de touros de lidia, tradição que a modernidade divide entre o encanto estético dos aficionados e o asco de - talvez - meio mundo, ou mais. Livre de suscetibilidades racionalistas (ou de qualquer outra espécie), com o espírito - para valer-me de uma imagem de Onfray -  avesso ao de quem comparece a um lugar com a Bíblia numa mão e a Declaração de Direitos Humanos na outra, rendi-me ao chamado e, no Domingo da Ressurreição, estava eu no Tendido 9 da Maestranza, a assistir às voltas do sevilhano Morante de la Puebla, do alicantino José María Manzanares e do jovem sevilhano, menos conhecido, Daniel Luque; e dos touros de Pedro Domecq. Morante e Manzanares são dois clássicos da arte; este último, aquele domingo, resultou ser o único triunfo, apesar das expectativas de todos também com Morante. Parece que os touros não estavam tão bem, dizia a crítica.  
Aquilo tudo é de um efeito incrível; não se desprende com facilidade, há que predispor-se aos silêncios, aos desafios, à coragem compartilhada, à dança dos passos, às vozes e olhares trocados, à proximidade da morte para uns e outros. Não estou falando de crueldade, que é outro assunto (nem quiçá terão sido especiais sentimentos desse tipo que inspiraram a proibição das corridas na Comunidade da Catalunha, em que por outro lado perduram outras práticas pirotécnicas de - digamos - não especial apreço pelo animal). 
Uma arte cruel, que seja. A arte, às vezes, não se mostra sem sacrifícios. 
Mas quem seria eu, brasileiro em terras estranhas, para explicar algo tão próprio da alma espanhola? Deixo para o peruano (no Peru também há corridas) Mario Vargas Llosa, que em 2000 esteve na Feria de Abril e pronunciou um discurso memorável chamado "El Pregón de Sevilla", reunido num volume chamado Sentimento del Toreo, com que passei uma agradável tarde de sábado. Alguns entremeios selecionados:  
"Los toros son un ingrediente tan esencial de esta Feria como el sol, el vino, la música o la picardía que refulge en los ojos de las sevillanas. Pero, a diferencia de lo que ocurre con la danza, el canto o las hijas de esta tierra a cuyo hechizo se rinden todos, la fiesta de los toros no ha merecido, ni merecerá nunca, la aprobación general". 
"...es, ante y sobre todo, una fiesta popular, a la que imprimen la poderosa corriente de vida  y de entusiasmo que la sustenta, y su autenticidad y energía, los miles de millares de hombres y mujeres de toda suerte y condición que en ella gozan y se encuentran y reconocen y fraternizan en la emoción compartida, en la explosión del aplauso o el flamear de los pañuelos pidiendo un trofeo para el diestro que cumplió, o en la silbatina y el abucheo al que defraudó, sentimientos elementales y volubles que se vuelcan con una libertad y una sinceridad ya casi ausentes en todas las otras manifestaciones colectivas, sobre todos las de deportes, empezando por el fútbol, donde, a diferencia de lo que ocurre con la fiesta de toros, el aficionado no va a admirar lo digno de ser admirado y a silbar lo indigno, lo feo y la chapuza, sino a hacer una exhibición de partidarismo regimentado: aplaudir y vitorear la jugadas del equipo propio y abominar y negar las del contrario. Por eso, el fútbol ya no tiene aficionados; sólo hinchas, es decir, partidarios, y, a menudo, fanáticos. En los toros todavía se conserva viva esa imparcialidad del amante de las artes, que entra a un museo, abre un libro, se acomoda en la sala de conciertos o de danzas, con el ánimo dispuesto a dejarse subyugar, y que sólo muy a pesar se resigna a desaprobar lo que ve, lee o escucha, cuando no responde a sus expectativas". 
"En este exponerse con apenas un trapo rojo en las manos a las astas de esa bravía montaña de cuatrocientos o quinientos kilos de nervios y músculos educada para embestir y matar anida un resquemor ético, de hidalguía, de escrúpulo y solidaridad, una recóndita búsqueda de paridad, de compartir el riesgo..."

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