sábado, 1 de setembro de 2012

Cecília

"Eu te murmuro
  Eu te suspiro
  Eu, que soletro
  Teu nome no escuro...

  Me escutas, Cecília? 
  Mas eu te chamava em silêncio
  Na tua presença
  Palavras são brutas...
  
  Pode ser que entreabertos
  Meus lábios de leve
  Tremessem por ti
  Mas nem as sutis melodias
  Merecem, Cecília, teu nome
  Espalhar por aí

  (...) 

  Te olho
  Te guardo
  Te sigo
  Te vejo dormir..."

  (Chico Buarque) 




terça-feira, 17 de julho de 2012

España Gastronómica I: Sevilla

Entremear começa uma série em homenagem à gastronomia espanhola, com a indicação de lugares e sabores de diversas regiões. No entretempo, aproveita-se para recomendar também outros preciosos sítios, alheios ao mundo gastronômico, de algumas cidades.


Há um tempo queria escrever algo sobre as tapas, essa instituição espanhola que é um esplendor de simplicidade criativa e de bem-viver gastronômico. Tapas são algo como "petiscos" ou porções menores de pratos; em verdade, porém, não há um termo em português que traduza fielmente do que se trata. Nos bares de tapas, sem dúvida, é que se experimentam e se reinventam os sabores locais. A cozinha da Espanha, claro, está hoje muy de moda - como se diz ali -, especialmente por conta do valor da gastronomia molecular, que, sobretudo no País Basco e na Catalunha, assumiu formas tão fecundas (o que não a livra de críticas ao exibicionismo e à vaidade dos cozinheiros). De fato, chefes bascos e catalães - com os exemplos expressivos de José María Arzak (basco), Ferran Adrià e Joan Roca (catalães) - animam-se em artimanhas visuais e técnicas incríveis. De todo modo, é no caráter múltiplo da tapa que se encontra a base para as criações, o que realça a singularidade espanhola. Forjou-se então conceito de gastrobar, em que a grande delícia é sentar à barra (ou nem tomar assento) e provar tapas e vinhos  - ou o gin-tonic, também reinventado na Espanha. Pelos bares de tapas das esquinas encontra-se o germe criativo e as surpresas sensoriais, até que desponte mais um dos muitos excelentes cozinheiros daquela terra. Selecionei alguns sítios particulares, entre restaurantes e gastrobares da minha preferência. A seleção se prende a algumas cidades da Espanha e inclui, além das referências, outros lugares para bem comer. Indica-se em destaque o nome da cidade (entre parênteses a província e depois a comunidade autônoma), seguida pelo nome do(s) restaurante(s). Neste post vai o primeiro:  


SEVILLA (Sevilla, Andaluzia)  


Começo por Sevilha, lugar onde há pouco tive residência. Sevilha não representa o maior destaque gastronômico da Andaluzia, comunidade autônoma espanhola de que é capital; as províncias de Málaga e de Cádiz estão mais conectadas à modernidade. Em Sevilha optou-se pela preservação da cozinha simples e saborosa da tradição; menos experimental, portanto. É sugestivo, a esse respeito, que um dos dois "estrelados" restaurantes da cidade, o Santo (que fica no elegante Hotel Eme Catedral), seja de um cozinheiro basco, vale dizer, Martin Berasategui, um dos chefs mais famosos da Espanha; o outro restaurante é o Abantal, onde se aproveita mais os ricos produtos andaluzes, como o atum vermelho de almadraba (objeto de outro post). Ambos têm uma estrela no prestigiado - e muito confiável - Guia Michelin. O Santo, em especial, conta também com um bar lounge que é um dos destaques da noite sevilhana.  
Azeitonas líquidas do "Santo", nov. 2011
Meus destaques em Sevilha, de todo modo, ficam para dois gastrobares. Primeiro o Binomio, em que se pode desfrutar de tapas riquíssimas e vinhos cuidadosamente recomendados à barra, como é costume na Espanha, se você não desejar sentar-se em uma das mesas que oferecem; eu prefiro sempre as barras, em se tratando de bares de tapas; ali se conversa e se desfruta de uma forma muito particular. O Binomio, que fica no bairro do Nervión (próximo à Faculdade de Direito da Universidade Hispalense), conta com tapas elaboradas e saborosas a excelentes preços, como as sardinhas maceradas, o hambúrguer de calamar (isso mesmo) e a carrillada ibérica (um típico prato andaluz). 
Sardinas maceradas do Binomio
Já o La Azotea, que tem três unidades na cidade, está sempre cheio e oferece pescados e chacinas locais de grande qualidade; ali também se tomam - e se compram - bons vinhos. Conta ainda o Azotea com uma excelente bodega, na unidade "Vinos y Más", a minha preferida, onde se pode provar e comprar queijos, ostras e algo mais, como diz o nome. 
La Azotea da Calle Zaragoza
Em Sevilha come-se bem ainda no Az-Zait, um dos melhores restaurantes da cidade, grande destaque de cozinha com toques árabes e excelente custo-benefício (Calle Conde de Barajas, Bairro San Vicente, próximo à Alameda de Hércules, já quase no bairro La Candelaria); e no Taberna del Alabardero, restaurante mais tradicional e sério, situado em uma antiga mansão senhorial da Calle Zaragoza (bairro Al Arenal). Para provar o famoso jamón ibérico de bellota, eu indicaria mais o Flores, que é como um bar de tapas da Calle Adriano (bairro El Arenal), com uma boa bodega e uma apreciável oferta de chacinas e embutidos. Há ainda o La Mojigata e o Arenero Taller de Tapas, inventivos e muito bons. Neste último se oferece uma interessante versão do Salmorejo - a típica sopa fria andaluz - com manjericão desidratado e sorvete de mascarpone. 
            Salmorejo do Arenero              Gelatina de Gin-Tonic do Az-Zait
                                                   Sushi Perestroika do La Mojigata


Nos entremeios das visitas gastronômicas, recomendo alguns lugares bacanas: 
- No centro (bairros de Santa Cruz, centro histórico e Judería): Alcázar de los Reyes Cristianos (perde de longe para a Alhambra de Granada, mas tem um rico e singular legado árabe); Catedral e La Giralda (a maior catedral gótica da Espanha, com uma impressionante torre em estilo mudéjar); Museo del Baile Flamenco (para uma história bem contada da famosa dança andaluz); Plaza Nueva (bela praça onde desemboca o bonde; ponto de partida para boas descobertas). Da Plaza pode-se seguir pela estreita Calle Zaragoza, com um hotel onde se provam drinques nacionalmente premiados (Hotel Inglaterra), uma padaria francesa (Societé e, na Plaza Nueva, Colette), uma livraria de viagens (Ultra Mar), um artesão de violões, uma loja de roupas femininas em estilo nórdico (Hamevaki), uma sorveteria excelente (La Campana), um restaurante tradicional (Taberna del Alabardero), um gastrobar moderno  (La Azotea) e ruelas atravessadas, para outras descobertas. Por uma das ruelas chega-se ao Vincci La Rabida, um dos bons hotéis da cidade. A Calle Zaragoza é a minha experiência bem particular de Sevilha. Essa rua é uma boa ligação do centro com o bairro de Al Arenal. Em La Judería pode-se ver o tablao flamenco Carbonería, menos turístico e muito bom.  
- Em El Arenal: Teatro de la Maestranza, Plaza de Toros de La Maestranza, Torre del Oro. Ali é onde se vê, da margem sul, o maior esplendor do rio Guadalquivir. Vale muito andar pelas ruas, encontrando bares de tapas.  
- Triana: fica na outra margem do rio. O bairro é famoso por suas cerâmicas e flores. Bom para andar, vendo as belas fachadas das casas. Em Los Remedios, perto de Triana, acontece todo mês de abril a famosa feira de Sevilha. 
- Candelaria: Arcos de La Macarena, conventos (de San Leandro, p. ex.). Bairro boêmio e alternativo da cidade. Vale demais.


Tudo isso dá uma pista do que é Sevilha: uma cidade cosmopolita, de pessoas simples e muito acolhedoras e de milagrosa mistura (séculos de presença árabe, reconquista cristã, judeus sufocados nos guetos).       
Há muito mais, claro: a magnífica Plaza España, os pavilhões da exposição de 1929, o Paseo de las Delicias, a Universidad, La Cartuja (centro tecnológico)... Mas acho que já dá para despertar a vontade, não?      

sexta-feira, 25 de maio de 2012

The Freewheelin' Bob Dylan

Hoje acordei com vontade de ouvir Bob Dylan e abri o The Freewheelin', gravado em 1963 e que contém o clássico Blowin' in the wind. Uma manhã bonita e ensolarada em Sevilla me surpreende na emoção saudosa de Girl from the North Country, sem dúvida a minha canção favorita dentre todas desse mago chamado Bob Dylan. Essa música, a voz de Dylan, essas palavras, mexem muito comigo. Aos leitores destes entremeios:


"Please see for me if her hair hangs long,
If it rolls and flows all down her breast
Please see for me if her hangs long,
That's the way I remember the best.


So if you're traveling' in the north country fair,
Where the winds hit heavy on the borderline,
Remember me to one who lives there. 
She once was a true love of mine".  

sexta-feira, 27 de abril de 2012

The Long Goodbye: Once again

Mr. Harlan Potter, sobre a Los Angeles dos anos 1950, em um dos meus trechos favoritos de The Long Goodbye (O Longo Adeus), de Raymond Chandler, que agora revisito (na foto, capa da primeira edição, de 1953): 


"- Há algo muito peculiar acerca do dinheiro - continuou -. Em grandes quantidades tende a adquirir vida própria, inclusive consciência própria. O poder do dinheiro resulta muito difícil de controlar. O ser humano tem sido sempre um animal venal. O crescimento das populações, o enorme custo das guerras, as pressões incessantes da tributação confiscatória - todas essas coisas tornam o homem mais e mais venal. O homem comum está cansado e assustado, e um homem cansado e assustado não está em condições de permitir-se ideais. Precisa comprar comida para sua família. Nesta época nossa temos visto um escandaloso declínio tanto da moral pública quanto da moral privada. De pessoas cuja vida está constantemente sujeita à falta de qualidade, não cabe esperar qualidade. Não se pode ter qualidade com produção em massa. Nós não a queremos porque dura muito. De maneira que a substituímos pelo estilo, que é uma fraude comercial destinada a produzir uma obsolescência artificial. A produção em massa não pode vender seus produtos no ano seguinte se não consegue que pareça fora de moda o que vendeu este ano. Temos as cozinhas mais brancas e os banheiros mais resplandecentes do mundo. Mas nessas tão encantadoras cozinhas brancas a dona de casa americana é incapaz de produzir uma comida aceitável, e os banheiros resplandecentes são sobretudo um receptáculo para desodorantes, laxantes, pastilhas para dormir e todos os produtos dessa fraude organizada que recebe o nome de indústria cosmética. Fazemos as melhores embalagens do mundo, senhor Marlowe. Mas o que há dentro é na maior parte só lixo".  
(Tradução de Sérgio Rebouças)


E para quem quiser conferir o original: 


"'There's a peculiar thing about money,' he went on. 'In large quantities it tends to have a life of its own, even a conscience of its own. The power of money becomes very difficult to control. Man has always been a venal animal. The growth of populations, the huge costs of wars, the incessant pressure of confiscatory taxation-all these things make him more and more venaL The average man is tired and scared, and a tired, scared man can't afford ideals. He has to buy food for his family. In our time we have seen a shocking decline in both public and private morals. You can't expect quality from people whose lives are a subjection to a lack of quality. You can't have quality with mass production. You don't want it because it lasts too long. So you substitute styling, which is a commercial swindle intended to produce artificial obsolescence. Mass production couldn't sell its goods next year unless it made what it sold this year look unfashionable a year from now. We have the whitest kitchens and the most shining bathrooms in the world. But in the lovely white kitchen the aveitage American housewife can't produce a meal fit to eat, and the lovely shining bathroom is mostly a receptacle for deodorants, laxatives, sleeping pills, and the products of that confidence racket called the cosmetic industry. We make the finest packages in the world, Mr. Marlowe. The stuff inside is mostly junk.'"          

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Touradas da Real Maestranza de Sevilha



Aproxima-se a Feria de Sevilla, a famosa Feria de Abril, esperada para o próximo dia 23: a fantasia e as sugestões andaluzas vertidas desde os olhos das sevilhanas, as casetas, o cante e o baile, os finos e as manzanillas de Jerez em volumes inconfessáveis; mas, sobretudo, a festa popular que para mim mais a singulariza, já iniciada duas semanas antes, na Real Maestranza de Caballería (a Praça de Touros de Sevilla): os toreos ou touradas, isto é, as corridas de touros de lidia, tradição que a modernidade divide entre o encanto estético dos aficionados e o asco de - talvez - meio mundo, ou mais. Livre de suscetibilidades racionalistas (ou de qualquer outra espécie), com o espírito - para valer-me de uma imagem de Onfray -  avesso ao de quem comparece a um lugar com a Bíblia numa mão e a Declaração de Direitos Humanos na outra, rendi-me ao chamado e, no Domingo da Ressurreição, estava eu no Tendido 9 da Maestranza, a assistir às voltas do sevilhano Morante de la Puebla, do alicantino José María Manzanares e do jovem sevilhano, menos conhecido, Daniel Luque; e dos touros de Pedro Domecq. Morante e Manzanares são dois clássicos da arte; este último, aquele domingo, resultou ser o único triunfo, apesar das expectativas de todos também com Morante. Parece que os touros não estavam tão bem, dizia a crítica.  
Aquilo tudo é de um efeito incrível; não se desprende com facilidade, há que predispor-se aos silêncios, aos desafios, à coragem compartilhada, à dança dos passos, às vozes e olhares trocados, à proximidade da morte para uns e outros. Não estou falando de crueldade, que é outro assunto (nem quiçá terão sido especiais sentimentos desse tipo que inspiraram a proibição das corridas na Comunidade da Catalunha, em que por outro lado perduram outras práticas pirotécnicas de - digamos - não especial apreço pelo animal). 
Uma arte cruel, que seja. A arte, às vezes, não se mostra sem sacrifícios. 
Mas quem seria eu, brasileiro em terras estranhas, para explicar algo tão próprio da alma espanhola? Deixo para o peruano (no Peru também há corridas) Mario Vargas Llosa, que em 2000 esteve na Feria de Abril e pronunciou um discurso memorável chamado "El Pregón de Sevilla", reunido num volume chamado Sentimento del Toreo, com que passei uma agradável tarde de sábado. Alguns entremeios selecionados:  
"Los toros son un ingrediente tan esencial de esta Feria como el sol, el vino, la música o la picardía que refulge en los ojos de las sevillanas. Pero, a diferencia de lo que ocurre con la danza, el canto o las hijas de esta tierra a cuyo hechizo se rinden todos, la fiesta de los toros no ha merecido, ni merecerá nunca, la aprobación general". 
"...es, ante y sobre todo, una fiesta popular, a la que imprimen la poderosa corriente de vida  y de entusiasmo que la sustenta, y su autenticidad y energía, los miles de millares de hombres y mujeres de toda suerte y condición que en ella gozan y se encuentran y reconocen y fraternizan en la emoción compartida, en la explosión del aplauso o el flamear de los pañuelos pidiendo un trofeo para el diestro que cumplió, o en la silbatina y el abucheo al que defraudó, sentimientos elementales y volubles que se vuelcan con una libertad y una sinceridad ya casi ausentes en todas las otras manifestaciones colectivas, sobre todos las de deportes, empezando por el fútbol, donde, a diferencia de lo que ocurre con la fiesta de toros, el aficionado no va a admirar lo digno de ser admirado y a silbar lo indigno, lo feo y la chapuza, sino a hacer una exhibición de partidarismo regimentado: aplaudir y vitorear la jugadas del equipo propio y abominar y negar las del contrario. Por eso, el fútbol ya no tiene aficionados; sólo hinchas, es decir, partidarios, y, a menudo, fanáticos. En los toros todavía se conserva viva esa imparcialidad del amante de las artes, que entra a un museo, abre un libro, se acomoda en la sala de conciertos o de danzas, con el ánimo dispuesto a dejarse subyugar, y que sólo muy a pesar se resigna a desaprobar lo que ve, lee o escucha, cuando no responde a sus expectativas". 
"En este exponerse con apenas un trapo rojo en las manos a las astas de esa bravía montaña de cuatrocientos o quinientos kilos de nervios y músculos educada para embestir y matar anida un resquemor ético, de hidalguía, de escrúpulo y solidaridad, una recóndita búsqueda de paridad, de compartir el riesgo..."

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Mark Lanegan


Avisa-me o amigo Glauco Sobreira que Mark Lanegan está em tour na Europa, com duas apresentações na Espanha. Uma delas ontem, no Kapital Theater de Madrid; a outra hoje, na sala Apolo em Barcelona. O amigo teve a privilegiada oportunidade de chegar a Lisboa no sábado passado, para a primeira apresentação do músico e de sua banda na Península. Eu, infelizmente, não tive tempo de rumar para o Norte ontem (menos ainda hoje), mas o assunto me dá ensejo para um entremeio desse artista singular, marcado pela voz soturna e por produções solo cheias de boas surpresas - para além de suas incursões no grunge mais cru (às vezes intragável). Destaque para seu último álbum, Blues Funeral, do qual vai oferecida a seguir a mostra para mim mais bem sucedida, o slow Phantasmagoria Blues.


      

terça-feira, 20 de março de 2012

Sevilha!

No entremeio de um ritmo frenético, paro para contemplar Sevilha, esse desconcertante e feminino corpo andaluz cheio de vozes. 


Enviados pela amiga Tércia Montenegro em carinhosa homenagem à minha estancia, ofereço os versos de João Cabral, sobre "a casa que vai comigo, e que invoco quando é preciso": 


SEVILHA DE BOLSO

Carregamos Sevilha, os dois,
quem foi e quem lá nunca foi.

Sevilha é como uma atmosfera
que nos envolve, onde que seja,

que levamos onde que formos
e que cria para mim um entorno

que é Sevilha, e se sou que a levo
sei que és tu o próprio amuleto,

que onde quer que estejamos sozinhos
nos traz Sevilha, seu dentro íntimo,

de uma casa que vai comigo
e que invoco quando é preciso.

Então, muda todo o ambiente,
eis-nos em Sevilha, de repente,

em nosso a dois e até ouço fora

sua formigagem rumorosa.