Entremear começa uma série em homenagem à gastronomia espanhola, com a indicação de lugares e sabores de diversas regiões. No entretempo, aproveita-se para recomendar também outros preciosos sítios, alheios ao mundo gastronômico, de algumas cidades.
Há um tempo queria escrever algo sobre as tapas, essa instituição espanhola que é um esplendor de simplicidade criativa e de bem-viver gastronômico. Tapas são algo como "petiscos" ou porções menores de pratos; em verdade, porém, não há um termo em português que traduza fielmente do que se trata. Nos bares de tapas, sem dúvida, é que se experimentam e se reinventam os sabores locais. A cozinha da Espanha, claro, está hoje muy de moda - como se diz ali -, especialmente por conta do valor da gastronomia molecular, que, sobretudo no País Basco e na Catalunha, assumiu formas tão fecundas (o que não a livra de críticas ao exibicionismo e à vaidade dos cozinheiros). De fato, chefes bascos e catalães - com os exemplos expressivos de José María Arzak (basco), Ferran Adrià e Joan Roca (catalães) - animam-se em artimanhas visuais e técnicas incríveis. De todo modo, é no caráter múltiplo da tapa que se encontra a base para as criações, o que realça a singularidade espanhola. Forjou-se então conceito de gastrobar, em que a grande delícia é sentar à barra (ou nem tomar assento) e provar tapas e vinhos - ou o gin-tonic, também reinventado na Espanha. Pelos bares de tapas das esquinas encontra-se o germe criativo e as surpresas sensoriais, até que desponte mais um dos muitos excelentes cozinheiros daquela terra. Selecionei alguns sítios particulares, entre restaurantes e gastrobares da minha preferência. A seleção se prende a algumas cidades da Espanha e inclui, além das referências, outros lugares para bem comer. Indica-se em destaque o nome da cidade (entre parênteses a província e depois a comunidade autônoma), seguida pelo nome do(s) restaurante(s). Neste post vai o primeiro:
Há um tempo queria escrever algo sobre as tapas, essa instituição espanhola que é um esplendor de simplicidade criativa e de bem-viver gastronômico. Tapas são algo como "petiscos" ou porções menores de pratos; em verdade, porém, não há um termo em português que traduza fielmente do que se trata. Nos bares de tapas, sem dúvida, é que se experimentam e se reinventam os sabores locais. A cozinha da Espanha, claro, está hoje muy de moda - como se diz ali -, especialmente por conta do valor da gastronomia molecular, que, sobretudo no País Basco e na Catalunha, assumiu formas tão fecundas (o que não a livra de críticas ao exibicionismo e à vaidade dos cozinheiros). De fato, chefes bascos e catalães - com os exemplos expressivos de José María Arzak (basco), Ferran Adrià e Joan Roca (catalães) - animam-se em artimanhas visuais e técnicas incríveis. De todo modo, é no caráter múltiplo da tapa que se encontra a base para as criações, o que realça a singularidade espanhola. Forjou-se então conceito de gastrobar, em que a grande delícia é sentar à barra (ou nem tomar assento) e provar tapas e vinhos - ou o gin-tonic, também reinventado na Espanha. Pelos bares de tapas das esquinas encontra-se o germe criativo e as surpresas sensoriais, até que desponte mais um dos muitos excelentes cozinheiros daquela terra. Selecionei alguns sítios particulares, entre restaurantes e gastrobares da minha preferência. A seleção se prende a algumas cidades da Espanha e inclui, além das referências, outros lugares para bem comer. Indica-se em destaque o nome da cidade (entre parênteses a província e depois a comunidade autônoma), seguida pelo nome do(s) restaurante(s). Neste post vai o primeiro:
Começo por Sevilha, lugar onde há pouco tive residência. Sevilha não representa o maior destaque gastronômico da Andaluzia, comunidade autônoma espanhola de que é capital; as províncias de Málaga e de Cádiz estão mais conectadas à modernidade. Em Sevilha optou-se pela preservação da cozinha simples e saborosa da tradição; menos experimental, portanto. É sugestivo, a esse respeito, que um dos dois "estrelados" restaurantes da cidade, o Santo (que fica no elegante Hotel Eme Catedral), seja de um cozinheiro basco, vale dizer, Martin Berasategui, um dos chefs mais famosos da Espanha; o outro restaurante é o Abantal, onde se aproveita mais os ricos produtos andaluzes, como o atum vermelho de almadraba (objeto de outro post). Ambos têm uma estrela no prestigiado - e muito confiável - Guia Michelin. O Santo, em especial, conta também com um bar lounge que é um dos destaques da noite sevilhana.
Azeitonas líquidas do "Santo", nov. 2011
Meus destaques em Sevilha, de todo modo, ficam para dois gastrobares. Primeiro o Binomio, em que se pode desfrutar de tapas riquíssimas e vinhos cuidadosamente recomendados à barra, como é costume na Espanha, se você não desejar sentar-se em uma das mesas que oferecem; eu prefiro sempre as barras, em se tratando de bares de tapas; ali se conversa e se desfruta de uma forma muito particular. O Binomio, que fica no bairro do Nervión (próximo à Faculdade de Direito da Universidade Hispalense), conta com tapas elaboradas e saborosas a excelentes preços, como as sardinhas maceradas, o hambúrguer de calamar (isso mesmo) e a carrillada ibérica (um típico prato andaluz).
Sardinas maceradas do Binomio
Já o La Azotea, que tem três unidades na cidade, está sempre cheio e oferece pescados e chacinas locais de grande qualidade; ali também se tomam - e se compram - bons vinhos. Conta ainda o Azotea com uma excelente bodega, na unidade "Vinos y Más", a minha preferida, onde se pode provar e comprar queijos, ostras e algo mais, como diz o nome.
La Azotea da Calle Zaragoza
Em Sevilha come-se bem ainda no Az-Zait, um dos melhores restaurantes da cidade, grande destaque de cozinha com toques árabes e excelente custo-benefício (Calle Conde de Barajas, Bairro San Vicente, próximo à Alameda de Hércules, já quase no bairro La Candelaria); e no Taberna del Alabardero, restaurante mais tradicional e sério, situado em uma antiga mansão senhorial da Calle Zaragoza (bairro Al Arenal). Para provar o famoso jamón ibérico de bellota, eu indicaria mais o Flores, que é como um bar de tapas da Calle Adriano (bairro El Arenal), com uma boa bodega e uma apreciável oferta de chacinas e embutidos. Há ainda o La Mojigata e o Arenero Taller de Tapas, inventivos e muito bons. Neste último se oferece uma interessante versão do Salmorejo - a típica sopa fria andaluz - com manjericão desidratado e sorvete de mascarpone. Salmorejo do Arenero Gelatina de Gin-Tonic do Az-Zait
Sushi Perestroika do La Mojigata
Nos entremeios das visitas gastronômicas, recomendo alguns lugares bacanas:
- No centro (bairros de Santa Cruz, centro histórico e Judería): Alcázar de los Reyes Cristianos (perde de longe para a Alhambra de Granada, mas tem um rico e singular legado árabe); Catedral e La Giralda (a maior catedral gótica da Espanha, com uma impressionante torre em estilo mudéjar); Museo del Baile Flamenco (para uma história bem contada da famosa dança andaluz); Plaza Nueva (bela praça onde desemboca o bonde; ponto de partida para boas descobertas). Da Plaza pode-se seguir pela estreita Calle Zaragoza, com um hotel onde se provam drinques nacionalmente premiados (Hotel Inglaterra), uma padaria francesa (Societé e, na Plaza Nueva, Colette), uma livraria de viagens (Ultra Mar), um artesão de violões, uma loja de roupas femininas em estilo nórdico (Hamevaki), uma sorveteria excelente (La Campana), um restaurante tradicional (Taberna del Alabardero), um gastrobar moderno (La Azotea) e ruelas atravessadas, para outras descobertas. Por uma das ruelas chega-se ao Vincci La Rabida, um dos bons hotéis da cidade. A Calle Zaragoza é a minha experiência bem particular de Sevilha. Essa rua é uma boa ligação do centro com o bairro de Al Arenal. Em La Judería pode-se ver o tablao flamenco Carbonería, menos turístico e muito bom.
- Em El Arenal: Teatro de la Maestranza, Plaza de Toros de La Maestranza, Torre del Oro. Ali é onde se vê, da margem sul, o maior esplendor do rio Guadalquivir. Vale muito andar pelas ruas, encontrando bares de tapas.
- Triana: fica na outra margem do rio. O bairro é famoso por suas cerâmicas e flores. Bom para andar, vendo as belas fachadas das casas. Em Los Remedios, perto de Triana, acontece todo mês de abril a famosa feira de Sevilha.
- Candelaria: Arcos de La Macarena, conventos (de San Leandro, p. ex.). Bairro boêmio e alternativo da cidade. Vale demais.
Tudo isso dá uma pista do que é Sevilha: uma cidade cosmopolita, de pessoas simples e muito acolhedoras e de milagrosa mistura (séculos de presença árabe, reconquista cristã, judeus sufocados nos guetos).
Há muito mais, claro: a magnífica Plaza España, os pavilhões da exposição de 1929, o Paseo de las Delicias, a Universidad, La Cartuja (centro tecnológico)... Mas acho que já dá para despertar a vontade, não?